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Construindo o poder dos trabalhadores no Brasil

Entregadores em motocicletas posam durante uma manifestação
Manifestação de entregadores em São Paulo, Brasil, em 25 de julho, 2020. © Thiago Bernardes/Pacific Press/Shutterstock

No mercado de trabalho brasileiro, o racismo, o sexismo, a LGBTQIA+fobia e o capacitismo sempre deixaram algumas pessoas fora do emprego formal e mais vulneráveis ao trabalho sem salário mínimo e limites máximos de jornada, seguridade social, licença médica e maternidade, opções de aposentadoria e segurança na atividade profissional. 

Rodrigo Lopes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativos do Estado de Pernambuco (Seampabe), se enquadra nessa categoria. Ao longo de sua carreira de mais de 10 anos como entregador, ele sobreviveu a 12 acidentes de motocicleta e enfrentou uma série de outras situações perigosas. 

“Sou pai. Tenho uma família esperando por mim em casa. Mas todos os dias, quando saio para trabalhar, não tenho certeza se vou voltar,” afirmou. Ele relata que é aterrorizante estar na linha de frente e testemunhar a morte de colegas de profissão, ao mesmo tempo em que se sente legalmente desprotegido.

A situação piorou depois de 2017, quando o governo conservador do então presidente Michel Temer procurou combater a crise econômica do Brasil reformando a legislação trabalhista. Essa mudança, vendida como um esforço para tornar o mercado de trabalho mais flexível, resultou em ocupações mais desreguladas, contratadas sob demanda, e na terceirização irrestrita. A reforma fez tudo, menos criar condições justas para os trabalhadores. "É por isso que temos que continuar lutando. É uma batalha complexa, mas vamos enfrentá-la com sabedoria", reforçou Lopes. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 39,1 milhões dos 100,2 milhões de trabalhadores brasileiros são considerados informais. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Brasil (PNAD), do IBGE, estima-se que 53,7% da população negra do Brasil trabalhe nesse setor. Do total de trabalhadores informais, 48,8% são mulheres e uma média de 63% está localizada nas regiões Norte e Nordeste. E, embora as pessoas com deficiência representem 8,9% da população brasileira, são apenas 1% da força de trabalho do país.  

Por mais assustadores que sejam esses dados, temos uma nova iniciativa de base para ajudar indivíduos e organizações não-governamentais da sociedade civil a criar condições de trabalho justas e equitativas por meio de treinamento, mobilização de políticas e defesa de direitos. O Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno começou há dois anos como um esforço filantrópico conjunto da Open Society Foundations, do Fundo Brasileiro para os Direitos Humanos, da Fundação Laudes e da Fundação Ford e conta com apoio de US$ 8,5 milhões . Ele faz parte de um apoio maior, que começou em 2006 com o Fundo Brasil de Direitos Humanos, com a missão de ajudar as comunidades a lidar com violações de direitos humanos relacionadas à etnia, raça, gênero, sexualidade, deficiência e representação regional por meio de um engajamento cívico significativo. 

O Labora utiliza esse fundo para um programa de doações chamado Fortalecimento dos Trabalhadores Informais na Luta por Direitos. Por meio desse programa, as organizações de justiça social de base podem enviar propostas para a criação de políticas e campanhas de defesa do movimento trabalhista intersetorial. Durante a chamada de propostas do ano passado, conseguimos doar US$ 1,7 milhão (R$ 7 milhões). Este ano, planejamos oferecer cerca de US$ 530 mil (R$ 2,65 milhões). 

O foco interseccional desse movimento é fundamental porque, nos últimos anos, a direita no Brasil voltou a usar as velhas táticas de repressão aos sindicatos, estigmatizando e criminalizando a negociação coletiva ao chamá-la de ataque aos trabalhadores. Desafios como esses podem ter se agravado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas não terminaram completamente com a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, historicamente progressista. Empossado em janeiro de 2023, seu primeiro desafio foi como governar com uma maioria de direita no Congresso Nacional. 

É por isso que o Labora é tão importante. Financiamos e fornecemos treinamento e apoio a organizações em áreas urbanas e rurais. Algumas estão lutando por trabalhadoras e trabalhadores domésticos, profissionais do sexo, trabalhadores temporários e com deficiência. Nossa meta é fomentar um movimento coletivo que possa pressionar o governo federal a adaptar políticas que promovam e integrem o trabalho decente e questões de justiça social e ambiental. 

Durante nossa primeira rodada de financiamento no final de 2022, o Labora concedeu subsídios a 25 projetos. Os líderes das organizações usaram esses recursos para oferecer a seus trabalhadores a formação em políticas de base e em advocacy. A iniciativa rendeu algumas estratégias maravilhosas para o design thinking inclusivo, especialmente para entregadores. 

Em junho de 2023, por exemplo, o Seambape usou seu subsídio para criar uma Secretaria para Mulheres e LGBTQIA+, uma iniciativa que atraiu mais de 200 trabalhadoras para o sindicato. Essa secretaria oferece treinamento político e cursos de qualificação profissional às entregadoras por aplicativo. Elas são convidadas a fazer uma análise crítica das condições de trabalho e dos direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e recebem orientação sobre direção defensiva e legislação de trânsito.

A iniciativa já gerou novos padrões de trabalho. Até recentemente, a entrega com bicicleta era vista como um setor para homens e, portanto, a mochila utilizada nesse trabalho era projetada para um físico tradicionalmente masculino, o que fazia com que muitas trabalhadoras desistissem da profissão ou terminarem os dias com muita dor física. Agora, Lopes diz que as mochilas mais inclusivas, adaptadas ao corpo das mulheres, se tornaram um símbolo do movimento. 

Esperamos que essas doações possam fornecer à Seambape e a muitas outras organizações trabalhistas o apoio de que precisam para crescer e promover um movimento no qual os trabalhadores historicamente desassistidos se sintam legitimados e capacitados, com o treinamento em política e defesa de direitos de que precisam para fazer parte do processo de tomada de decisões em todos os níveis de governo e em todos os setores. Ao ouvir esses trabalhadores, fortalecemos nossa capacidade de ajudar ainda mais profissionais na linha de frente da transformação social e da transição climática.  

O Fundo Brasileiro de Direitos Humanos e o Labora são beneficiários da Open Society Foundations.

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