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Perguntas e respostas: Uma visão inovadora da arte e da humanidade

Paisagem com cavalo azul, pintura de Emygdio de Barros datada de meados do século XX
Paisagem com cavalo azul, pintura de Emygdio de Barros datada de meados do século XX. A imagem é uma cortesia da Sociedade dos Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente

O Museu de Imagens do Inconsciente, fundado no Brasil em 1952 pela psiquiatra pioneira, Dra. Nise da Silveira, desafia as noções rígidas de saúde mental por meio do uso da experimentação e da arte. Recentemente, Gabriela Barros de Luca, da Open Society, falou com o vice-diretor da Sociedade dos Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, Eurípedes Júnior, sobre a filosofia e o trabalho do museu.

Para iniciar, você poderia explicar por que a forma convencional de se pensar sobre a saúde mental — como uma dualidade, com a doença de um lado e a saúde do outro — está errada?

Um dos pontos é que essa abordagem não reconhece que os desafios da saúde mental são muitas vezes produtos de uma combinação de fatores internos e externos, como as circunstâncias financeiras, sociais ou familiares. Esse não reconhecimento é agravado por um modelo de tratamento maciçamente pautado na medicação e na institucionalização. Apesar de muitas pessoas poderem se beneficiar das intervenções médicas, as inúmeras barreiras ao bem-estar não são abordadas, tais como a desconexão do indivíduo com sua comunidade e a insegurança econômica.

Devemos enxergar os problemas de saúde mental, não como condições patológicas ou doenças, mas como experiências universais da condição humana — e tratar as pessoas com esse princípio em mente. A sociedade tem muito a aprender com as experiências de pessoas que enxergamos como portadoras de transtornos mentais, pois elas têm um acesso maior a seu mundo interior, algo que poderia beneficiar a todos. 

De que forma deveríamos pensar sobre essa questão?

Devemos reconhecer que o bem-estar é mais do que meramente uma função da nossa química cerebral. É preciso colocar as vozes de pessoas que têm experiências reais com problemas de saúde mental no centro. Por exemplo, a Nise da Silveira recusava-se a referir-se às pessoas sob cuidados psiquiátricos como “pacientes”, pois achava que o termo sugeria passividade, ao invés de invocar a pacientes que ativamente buscavam o seu próprio bem-estar. A Dra. Nise preferia chamá-los de “clientes”.

Como é isso na prática?

Vamos continuar usando a Dra. Nise como guia: ela acreditava que deixar seus clientes se expressarem por meio das artes traria benefícios não só a eles, mas também ajudaria outras pessoas a reconhecerem a humanidade presente em todos. 

Estamos acostumados a priorizar fatores externos em nossa vida, ao passo que nossa realidade interna — sonhos, fantasias, delírios — é muitas vezes negligenciada. Ainda assim, para tratar o que nos referimos como “problemas de saúde mental”, é preciso encontrar um equilíbrio entre o ambiente externo e o “eu” interior. De fato, acreditamos que a sociedade tem muito a aprender com essas experiências. As pessoas que foram institucionalizadas, estigmatizadas, excluídas, e tratadas como se não tivessem nada a contribuir para a sociedade, na verdade, têm uma percepção valiosa do inconsciente. Elas nos trazem um conhecimento ao qual não teríamos acesso de outra forma. 

Retrato
Retrato feito por Raphael Domingues datado de meados do século XX. A imagem é uma cortesia da Sociedade dos Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente
Pintura abstrata de um cão
Retrato de um cão, pintura de Carlos Pertuis, 1950. A imagem é uma cortesia da Sociedade dos Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente

Qual é a situação das pessoas com problemas de saúde mental no Brasil?

O forte movimento antimanicomial no Brasil foi capaz de impulsionar uma grande mudança social que resultou no fim dos hospitais psiquiátricos em 2000 — o ano que marcou o início do que é agora conhecido como a reforma psiquiátrica no país. Mas o processo desinstitucionalizante, de retirar as pessoas dos asilos e colocá-las em estruturas onde elas possam gozar plenamente de sua autonomia e direitos, tem sido um desafio e ainda está incompleto. Muitas pessoas que foram retiradas dos asilos durante esse processo de desinstitucionalização ainda estão vivendo em ambientes semi-institucionalizados e esperando por vagas em moradias assistidas, o que parece mais difícil de ocorrer no ambiente política atual. 

O que é o Museu de Imagens do Inconsciente?

O museu está instalado no local onde funcionou o primeiro e maior hospital psiquiátrico do Brasil, fundado no século XIX. Ele foi criado pela Dra. Nise da Silveira, uma pioneira que não aceitou as formas de tratamento psiquiátrico usadas na época, tais como o eletrochoque, a lobotomia e o coma insulínico. Ao invés disso, ela deu espaço para que as pessoas se expressassem pela arte. As obras produzidas pelas pessoas tratadas por ela acabaram atraindo o interesse de críticos de arte.

Hoje em dia, o museu tem a maior coleção desse tipo de arte — produzida por residentes de instituições psiquiátricas — com quase 450.000 obras feitas pelos pacientes. Algumas dessas obras estão atualmente expostas na Bienal de Berlim de 2020. O museu também continua a expor as obras produzidas por pessoas que estão atualmente passando por tratamentos de saúde mental.

Essas “imagens do inconsciente” permitem que os espectadores estabeleçam conexões entre seu próprio mundo e as vontades, medos, traumas, alegrias e sonhos mais profundos dos artistas.

Como o museu vem funcionando durante a pandemia?

As pessoas pararam de vir ao museu para tratamento, mas nossa equipe passou a prestar assistência remota por meio de ligações telefônicas ou comunicação on-line regulares com pacientes, de modo que possam continuar a expressar sua criatividade em casa. O resultado é que as pessoas não estão mais restritas a apenas algumas poucas horas em que podem produzir arte; elas passaram a produzir arte em casa o dia todo.

A situação de confinamento pela qual a sociedade vem passando nos últimos meses é uma experiência que muitas pessoas com problemas de saúde mental já dominam, uma vez que já experienciavam confinamento e exclusão da sociedade muito antes da pandemia. Honestamente, tem sido incrível vê-las prosperando. Muitas têm estado mais motivadas e prolíficas do que nunca. 

O Museu de Imagens do Inconsciente é uma entidade beneficiada pela Open Society Foundations.

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